Carnaval em Cruzeiro em 1940
O carnaval em Cruzeiro era festejado na Avenida Major Novaes, no pedaço
que fica entre as Ruas Engenheiro Antonio Penido e a Rua Jorge Tibiriçá.. A descrição abaixo, nada mais é o conteúdo das paginas 70 a 76, do meu livro "Perdão Também tem limites", que narra a saga de um carrasco Nazista e um judeu que fugiu da Alemanha nos 30 e ambos vieram morar em Cruzeiro. É um livro de ficção e a narrativa é produto da minha imaginação.
O primeiro dia do tão
esperado carnaval chegara. A população de Cruzeiro procurava se divertir com
os mais desinibidos. E para isto
bastavam ir para a avenida, porque lá é que era o ponto de encontro dos foliões fantasiados.
Samuel,
encontrou com Rodolfo e juntos foram para a porta do cine Ópera. Enquanto que
para Rodolfo, o carnaval já era bem conhecido, Para Samuel o mesmo consistia
numa grande incógnita. Contudo, como havia
dito a Rodolfo que morara
anteriormente em São Paulo, subentendia automaticamente que já o conhecia.
Por
ali ficaram misturados ao povão. Em cima das duas calçadas e até mesmo em toda
orla da rua Major Novaes, ficavam os rapazes. E desfilando, ficavam as moças,
que desciam por um lado da rua e subiam pelo outro, sempre de braços dados umas
com as outras. E variando a formação, passeavam sempre em grupos de duas,
quatro ou até seis ou sete garotas, conversando animadamente. Sempre que uma,
sentia que determinado rapaz ia se aproximar dela, despistadamente tomava uma providencia.
Se ele fosse bem vindo, ela desfilava na
extremidade do grupo, propiciando a oportunidade. E desta maneira, ficava mais
fácil se desprender das outras, no momento da abordagem. Porem, se o rapaz não
fosse o seu eleito, ela então passava a desfilar no meio do grupo, protegendo
assim seus flancos e ao mesmo tempo, cortando de vez a possibilidade da
aproximação.
A todo momento, em algum ponto da avenida,
surgiam risos. Eram os fantasiados que
apareciam. O mais comum, eram homens se
vestindo com roupas de mulher. E vestidos assim, desfilavam junto às moças mexendo com os
rapazes que ficavam na calçada. Mas de vez em quando apareciam alguns casos de muita criatividade. Casos
como o de um rapaz, que se vestiu de presidiário, com aquela roupa própria
listrada em azul e branco, carregando uma bola acorrentada na sua perna e um
cartaz às costas dizendo “AMIGO DE
GETÚLIO”.

Ali
se praticavam as famosas guerrinhas de confetes coloridos, que salpicavam todo
o chão da avenida. Serpentinas eram
jogadas nas moças, mas antes, elas passavam por cima da fiação da rua, de modo
que um pedaço sempre ficava pendurado
para fazer uma cortina, enfeitando a passarela. Lança-perfumes, tinham suas
válvulas abertas de qualquer ponto da rua. Os maldosos, as disparavam contra os
olhos de outras pessoas. Os precavidos
usavam máscaras transparentes, com veludo colorido nas bordas, para proteção
dos olhos.
E
foi neste ambiente de muita alegria e descontração, que Samuel se aproximou
de Elisa.
Elisa
era morena clara, cabelos pretos e compridos, seu rosto era magro, mas de uma beleza sem igual. Com um corpo
escultural, muito educada e bem vaidosa. Andava sempre com as unhas pintadas e
muito bem vestida. Mas no entanto, era a simplicidade personificada. Membro da
Irmandade das Filhas de Maria, participava de todas as atividades na igreja.
Sempre que podia, dava aulas de corte e costura para os pobres, na escola do
Asilo. Cursava o terceiro ano na Escola Normal de Cruzeiro. Moça por demais
recatada, nunca havia namorado rapaz algum. Apesar de sua idade se aproximar
dos vinte e cinco anos, às vezes se comportava como uma mocinha de quinze. O fato de nunca ter tido
namorado era motivo de discussão, que às vezes mantinha com seu pai. Ele, o
pai, era muito rigoroso na sua maneira
de educar. Homem de muita fé, batalhador
e de comportamento íntegro. Sempre que podia estava ao seu lado, como se fosse o grande guardião
de um tesouro. Embora jamais tenha
admitido, mas era esse seu comportamento uma das razões da solidão da filha.
Sua constante presença, afastava os acanhados pretendentes, desencorajando-os.
Elisa passeava junto com
mais três amigas, dentro da roda de moças que desfilavam na avenida. Em seus
cabelos tinha mais confetes que os de suas amigas. Quando se aproximava do lugar em que estava Samuel,
procurava-o com os olhos, e desviava-os, logo que o encontrava. Foi numa dessas
muitas voltas, que Samuel a abordou. Chegando por detrás, ao lado dela ,
perguntou :
--- Posso falar contigo?
--- Hã?... o quê?...
Sueli e as amigas já sabiam do flerte da amiga, tanto que começaram a
rir, e largaram o braço dela, deixando-a para trás. Ela por sua vez não sabia o
que falar, seu rosto enrubesceu e limitou-se apenas a caminhar com os braços
cruzados.
O
primeiro encontro, é sempre o primeiro encontro, o que perdura mesmo para
sempre é a imagem. A conversa na verdade é cheia de banalidades. Apenas
perguntas, em que cujas respostas, muitas das vezes já é do conhecimento de
quem pergunta. Tudo isso faz parte do primeiro encontro, esse tempo se faz
necessário para que os nervos se relaxem, e o encanto de que são tomados, aos poucos dê lugar a
razão. Por isso, depois de meia hora de conversa, Samuel convidou-a a parar de
caminhar e ficar conversando perto do Capitólio. Ali permaneceram por um bom tempo, até que apareceram Sueli e
uma outra amiga de nome Wanda, juntas foram chamar Elisa, pois tinham que ir
embora. Ainda no meio da rua, elas pararam e mostrando o relógio, fizeram sinal
de que estava na hora.
--- Acho que suas amigas estão te chamando, falou Samuel.
--- É porque está na hora de irmos...
--- Então vamos...
--- De jeito nenhum...
meu pai pode ver...
--- Eu converso com
ele...
--- Não... por favor, ainda
não... vamos dar um pouco de tempo. E
depois, se ele ficar sabendo, vai acabar o carnaval para mim. Porque não permitirá mais que eu saia à noite....
deixe pelo menos passar o carnaval.
--- Tudo bem... como
você quiser. E em qual clube você vai brincar?
--- Em nenhum.... hoje o carnaval já acabou.
--- Você então não vai ao Brasil?
--- Em clube nenhum...
--- Então como vamos fazer amanhã? Nos veremos não?
--- Aqui na praça... se eu vier, tá?.
--- Então boa noite, disse Samuel estendendo-lhe a mão.
--- Boa noite, respondeu Elisa, largando depressa a mão dele.
De volta aos seio das amigas,
Elisa ria nervosamente e tinha as mãos trêmulas. Suas companheiras enchiam-na de perguntas,
enquanto caminhavam na volta para casa.
--- Então Elisa, ele correspondeu à sua expectativa?
Perguntou Sueli.
--- Eu não sei... acho que
sim... è muito educado... e fala muito bem. E tem um sotaque estrangeiro muito
forte.
--- De onde é?,
perguntou Wanda.
--- Olha eu fiquei sem
jeito de perguntar... mas acho que é alemão. E vocês não sabem da maior. Ele
queria me levar em casa e conversar com meus pais hoje.
--- Nossa!..., ele é corajoso. Retrucou Sueli.
--- Isso demonstra que é bem intencionado, falou Wanda.
E assim foram confessando a amiga, com todas armas
femininas de que dispunham. Elisa ia respondendo, mas no fundo sentia um misto de
prazer e de medo. Prazer, porque nunca tinha conversado com um rapaz da maneira
que hoje conversou. Até hoje suas conversas com o sexo oposto, foram sempre
desinteressadas. E medo, porque a idéia
de um namoro com Samuel, ainda não tinha ocupado o devido espaço em seu
subconsciente. E exatamente por isso, ficava
a cisma de não ter feito uma coisa limpa. Nesta noite custou a dormir. O
que era muito natural, afinal hoje tinha sido o seu dia de cinderela.
Samuel voltou para o lugar
onde tinha deixado Rodolfo, mas não o encontrou. A rua já estava ficando
deserta. Quem não ia para o clube, ficava bebendo de bar em bar, e este
ambiente não era bom. Para arranjar uma briga bastava permanecer na rua,
bêbados para isso não faltavam. Samuel
então procurou logo o caminho de casa. (...)
As fotos anexadas ao texto, são da década de 40
Mas, em homenagem a esta cidade que tanto amo, eu fiz o seguinte poema.
Avenida Major Novais
Doce recordação agora me invade,
Ao lembrar-me de ti, grande avenida.
Que fostes o palco daquelas
tardes,
Em que o amor, brotou em nossas vidas...
Dos saudosos carnavais mascarados,
Da ala central, onde as moças desfilavam,
Sempre em turmas e com os braços dados,
Para os moços, que com elas brincavam.
Quando o Cruzeiro se sagrava campeão,
Ou mesmo, o Frigorífico, com seu timão,
Nossa avenida se enchia de ilusão.
Mas infelizmente o tempo passou...
E daquelas tardes saudosas restou,
Doces lembranças em meu coração.
Quem desejar obter uma copia em PDF, é só entrar em contato comigo, que darei as instruções de pagamento
Email joaobbdeassis@uol.com.br
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Sensacional, adoro Cruzeiro, passei a maior parte da minha infância e adolescência lá. Me delicio com seus textos e apesar de ser bem mais jovem que os fatos, me peguei a fazer passeios virtuais pelo google maps, comparando o hoje com as fotos e em minha própria imaginação viajei. A riqueza da humanidade são trabalhos como o seu, que nos deixa em tempos atuais, fazer essa volta a um passado que não conhecemos e descobrir o mesmo lugar de outras gerações. Gratidão.
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