quarta-feira, 20 de julho de 2016

Carnaval de antigamente em Cruzeiro...

Em Cruzeiro Eu te Amo....


Carnaval em Cruzeiro em 1940


O carnaval em Cruzeiro era festejado na Avenida Major Novaes, no pedaço 

que fica entre as Ruas Engenheiro Antonio Penido e a Rua Jorge Tibiriçá.. A descrição abaixo, nada mais é o conteúdo das paginas 70 a 76, do meu livro "Perdão Também tem limites", que narra a saga de um carrasco Nazista e um judeu que fugiu da Alemanha nos 30 e ambos  vieram morar em Cruzeiro. É um livro de ficção e a narrativa é produto da minha imaginação.


  

O primeiro dia do tão esperado carnaval chegara. A população de Cruzeiro procurava se divertir com os  mais desinibidos. E para isto bastavam ir para a avenida, porque lá é que era o ponto de encontro  dos foliões fantasiados.
Samuel, encontrou com Rodolfo e juntos foram para a porta do cine Ópera. Enquanto que para Rodolfo, o carnaval já era bem conhecido, Para Samuel o mesmo consistia numa grande incógnita. Contudo, como havia  dito a Rodolfo  que morara anteriormente em São Paulo, subentendia automaticamente que já o conhecia.
Por ali ficaram misturados ao povão. Em cima das duas calçadas e até mesmo em toda orla da rua Major Novaes, ficavam os rapazes. E desfilando, ficavam as moças, que desciam por um lado da rua e subiam pelo outro, sempre de braços dados umas com as outras. E variando a formação, passeavam sempre em grupos de duas, quatro ou até seis ou sete garotas, conversando animadamente. Sempre que uma, sentia que determinado rapaz ia se aproximar dela,  despistadamente tomava uma providencia. Se  ele fosse bem vindo, ela desfilava na extremidade do grupo, propiciando a oportunidade. E desta maneira, ficava mais fácil se desprender das outras, no momento da abordagem. Porem, se o rapaz não fosse o seu eleito, ela então passava a desfilar no meio do grupo, protegendo assim seus flancos e ao mesmo tempo, cortando de vez a possibilidade da aproximação.
 A todo momento, em algum ponto da avenida, surgiam risos.  Eram os fantasiados que apareciam. O mais comum, eram homens  se vestindo com roupas de mulher. E vestidos assim,  desfilavam junto às moças mexendo com os rapazes que ficavam na calçada. Mas de vez em quando apareciam  alguns casos de muita criatividade. Casos como o de um rapaz, que se vestiu de presidiário, com aquela roupa própria listrada em azul e branco, carregando uma bola acorrentada na sua perna e um cartaz às costas dizendo  “AMIGO DE GETÚLIO”.




Ali se praticavam as famosas guerrinhas de confetes coloridos, que salpicavam todo o chão da avenida.  Serpentinas eram jogadas nas moças, mas antes, elas passavam por cima da fiação da rua, de modo que um pedaço sempre  ficava pendurado para fazer uma cortina, enfeitando a passarela. Lança-perfumes, tinham suas válvulas abertas de qualquer ponto da rua. Os maldosos, as disparavam contra os olhos de outras pessoas. Os  precavidos usavam máscaras transparentes, com veludo colorido nas bordas, para proteção dos olhos.
E foi neste ambiente de muita alegria e descontração, que Samuel se aproximou de  Elisa.
Elisa era morena clara, cabelos pretos e compridos, seu rosto era magro, mas  de uma beleza sem igual. Com um corpo escultural, muito educada e bem vaidosa. Andava sempre com as unhas pintadas e muito bem vestida. Mas no entanto, era a simplicidade personificada. Membro da Irmandade das Filhas de Maria, participava de todas as atividades na igreja. Sempre que podia, dava aulas de corte e costura para os pobres, na escola do Asilo. Cursava o terceiro ano na Escola Normal de Cruzeiro. Moça por demais recatada, nunca havia namorado rapaz algum. Apesar de sua idade se aproximar dos vinte e cinco anos, às vezes se comportava como uma  mocinha de quinze. O fato de nunca ter tido namorado era motivo de discussão, que às vezes mantinha com seu pai. Ele, o pai,  era muito rigoroso na sua maneira de educar. Homem  de muita fé, batalhador e de comportamento íntegro. Sempre que podia estava  ao seu lado, como se fosse o grande guardião de  um tesouro. Embora jamais tenha admitido, mas era esse seu comportamento uma das razões da solidão da filha. Sua constante presença, afastava os acanhados pretendentes, desencorajando-os.
Elisa passeava junto com mais três amigas, dentro da roda de moças que desfilavam na avenida. Em seus cabelos tinha mais confetes que os de suas amigas. Quando  se aproximava do lugar em que estava Samuel, procurava-o com os olhos, e desviava-os, logo que o encontrava. Foi numa dessas muitas voltas, que Samuel a abordou. Chegando por detrás, ao lado dela , perguntou :
--- Posso falar contigo?
--- Hã?... o quê?...
                                                        Sueli e as amigas já sabiam do flerte da amiga, tanto que começaram a rir, e largaram o braço dela, deixando-a para trás. Ela por sua vez não sabia o que falar, seu rosto enrubesceu e limitou-se apenas a caminhar com os braços cruzados.
O primeiro encontro, é sempre o primeiro encontro, o que perdura mesmo para sempre é a imagem. A conversa na verdade é cheia de banalidades. Apenas perguntas, em que cujas respostas, muitas das vezes já é do conhecimento de quem pergunta. Tudo isso faz parte do primeiro encontro, esse tempo se faz necessário para que os nervos se relaxem, e o encanto  de que são tomados, aos poucos dê lugar a razão. Por isso, depois de meia hora de conversa, Samuel convidou-a a parar de caminhar e ficar conversando perto do Capitólio. Ali permaneceram  por um bom tempo, até que apareceram Sueli e uma outra amiga de nome Wanda, juntas foram chamar Elisa, pois tinham que ir embora. Ainda no meio da rua, elas pararam e mostrando o relógio, fizeram sinal de que  estava na hora.
--- Acho que suas amigas estão te chamando, falou Samuel.
--- É porque está na hora de irmos...
--- Então vamos...
--- De jeito nenhum...  meu pai pode ver...
--- Eu  converso com ele...
--- Não... por favor, ainda não...  vamos dar um pouco de tempo. E depois, se ele ficar sabendo, vai acabar o carnaval para mim. Porque  não permitirá mais que eu saia à noite.... deixe pelo menos passar o carnaval.
--- Tudo bem...  como você quiser. E em qual clube você vai brincar?
--- Em nenhum.... hoje o carnaval já acabou.
--- Você então não vai ao Brasil?
--- Em clube nenhum...
--- Então como vamos fazer amanhã? Nos veremos não?
--- Aqui na praça... se eu vier, tá?.
--- Então boa noite, disse Samuel estendendo-lhe a mão.
--- Boa noite, respondeu Elisa, largando depressa  a mão dele.


De volta aos seio das amigas, Elisa ria nervosamente e tinha as mãos trêmulas.  Suas companheiras enchiam-na de perguntas, enquanto caminhavam na volta para casa.
--- Então Elisa, ele correspondeu à sua expectativa? Perguntou Sueli.
--- Eu não sei... acho que sim... è muito educado... e fala muito bem. E tem um sotaque estrangeiro muito forte.
--- De onde  é?, perguntou Wanda.
--- Olha  eu fiquei sem jeito de perguntar... mas acho que é alemão. E vocês não sabem da maior. Ele queria me levar em casa e conversar com meus pais hoje.
--- Nossa!..., ele é corajoso. Retrucou Sueli.
--- Isso demonstra que é bem intencionado, falou Wanda.
E assim  foram confessando a amiga, com todas armas femininas de que dispunham. Elisa ia respondendo, mas no fundo sentia um misto de prazer e de medo. Prazer, porque nunca tinha conversado com um rapaz da maneira que hoje conversou. Até hoje suas conversas com o sexo oposto, foram sempre desinteressadas.  E medo, porque a idéia de um namoro com Samuel, ainda não tinha ocupado o devido espaço em seu subconsciente. E exatamente por isso, ficava  a cisma de não ter feito uma coisa limpa. Nesta noite custou a dormir. O que era muito natural, afinal hoje tinha sido o seu dia de cinderela.
Samuel voltou para o lugar onde tinha deixado Rodolfo, mas não o encontrou. A rua já estava ficando deserta. Quem não ia para o clube, ficava bebendo de bar em bar, e este ambiente não era bom. Para arranjar uma briga bastava permanecer na rua, bêbados para isso não faltavam.  Samuel então procurou logo o caminho de casa. (...)


As fotos anexadas ao texto, são da década de 40



Mas, em homenagem a esta cidade que tanto amo, eu fiz o seguinte poema.



      Avenida Major Novais


Doce recordação agora me invade,
Ao lembrar-me de ti, grande avenida.
Que  fostes o palco daquelas tardes,
Em que o amor, brotou em nossas vidas...


Dos saudosos carnavais mascarados,
Da ala central, onde as moças desfilavam,
Sempre em turmas e com os braços dados,
Para os moços, que com elas brincavam.

                                
Quando o Cruzeiro se sagrava campeão,
Ou mesmo, o Frigorífico, com seu timão,
Nossa avenida se enchia de ilusão.
    

Mas infelizmente o tempo passou...
E daquelas tardes saudosas restou,
Doces lembranças em meu coração.


Quem desejar obter uma copia em PDF, é só entrar em contato comigo, que darei as instruções de pagamento 
Email joaobbdeassis@uol.com.br


Um comentário:

  1. Sensacional, adoro Cruzeiro, passei a maior parte da minha infância e adolescência lá. Me delicio com seus textos e apesar de ser bem mais jovem que os fatos, me peguei a fazer passeios virtuais pelo google maps, comparando o hoje com as fotos e em minha própria imaginação viajei. A riqueza da humanidade são trabalhos como o seu, que nos deixa em tempos atuais, fazer essa volta a um passado que não conhecemos e descobrir o mesmo lugar de outras gerações. Gratidão.

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